De Joseph Piskorowski
Escrito Originalmente para um Programa de Estudo
Quem tem uma visão acredita que ela ocorra no mundo externo, embora as pessoas que estejam ao lado não necessariamente concordem. Uma visão é uma imagem extremamente vívida. É como poder ver com os olhos fechados, algo que poucas pessoas conseguem fazer naturalmente, mas que outras treinadas na “visão remota” aprendem. Certas pessoas desenvolvem essa capacidade cedo na vida, embora um psiquiatra normalmente diagnostique os casos como alucinações psicóticas. Quem ora ou medita, ou quem está sob influência de certas drogas, ou impedido de dormir ou alimentar-se, ou submetido a câmaras de privação sensorial muitas vezes experimenta tais visões.
Imagens que vêm espontaneamente à consciência vêm de fora da consciência do ego pessoal — vêm de um do centro interior, do subconsciente, das descargas de células no cérebro ou de outros mundos. Muitas pessoas na nossa população experimentam drogas ou outras substâncias que causam dependência por ansiarem uma visão de outro mundo, livre das dores e de todos os desconfortos deste mundo físico.
Desde os tempos bíblicos, sonhos e visões têm sido considerados pelo seu significado simbólico. As tradições religiosas e místicas são ricas em imagens simbólicas, e nessas tradições o praticante busca vivenciar o mundo invisível. As religiões primitivas e as tradições xamânicas também apresentam cosmologias simbólicas genuínas, umas para receber espíritos terrenos; outras, seres celestiais.
Os siús teton expressam o mesmo pensamento de modo diferente: “A crença geral dos índios é de que, após a morte, o espírito de um homem estará em algum lugar na Terra ou no céu, não sabemos ao certo, mas acreditamos que o seu espírito ainda viva. O mesmo ocorre com Wakan Tanka. Cremos que ele esteja em todas as partes, mas para nós ele é como os espíritos dos nossos amigos cujas vozes não podemos ouvir” — Música dos Siús Teton, Frances Densmore, página 96.
O Dr. Hurtak, autor de As Chaves de Enoch®, descreve uma visão com palavras que não são tão bem conhecidas para a maioria das pessoas. Ele diz que é possível codificar uma visão como um pictograma ideográfico. O antigo alfabeto hebraico é considerado pelos nossos antepassados uma “Linguagem de Luz”. A Chave 214:2 afirma que das emanações da Mente Divina saíram imagens de luz (pictogramas), que se combinaram com as geometrias das formas criadoras que geraram o espectro de todas as formas procedentes do alfabeto da criação, que, segundo o último parágrafo, é o alfabeto hebraico, quase esquecido, mas que nunca se perdeu.
O verso 12 afirma: “As pictografias de luz são formas-pensamento da inteligência superior projetadas pelas radiações de cor em dimensões mentais correspondentes que captam o conhecimento por meio de uma mente-corpo coordenada”.
13: “As pictografias harmonizam tons de cores em padrões mântricos que podem ser retidos pela mente espiritual”.
15: “… as pictografias são formas energizadas de imagens que simbolizam o encontro de ideias, que produzem quadros e sons na linguagem mental e ativam o cone receptor do olho para ver objetos nos muitos níveis de espaço nos quais o homem coexiste”.
19: “Estas pictografias de luz operam através de pulsações semelhantes a um “Yod” centradas em padrões piramidais repetitivos que se estendem por todo o espaço, tempo e matéria”. — As Chaves de Enoch®, J.J. Hurtak
Na verdade, sabe-se que as próprias letras e geometrias ativam visões. Os abenakis têm um ditado: “O Grande Espírito está em todas as coisas; Ele está no ar que respiramos”.
O empenho pela visão “individual”, como a que buscam muitos nativos americanos, não é em absoluto o único caminho a trilhar. Os povos das Primeiras Nações também têm buscado visões, participando em cerimônias em grupo, como a Dança do Sol, o grande ritual de verão dos índios das Planícies. E, às vezes, as visões vêm abertamente nos sonhos. Várias comunidades indígenas dão ênfase especial a esta via para o sobrenatural, entre as quais os mohaves, que vivem no Arizona e na Califórnia, e os iroqueses do Estado de Nova York, que um missionário jesuíta descreveu da seguinte forma há 300 anos:
“Eles consideram o sonho como sendo o mestre das suas vidas. Ele é o Deus do país. É isso que determina as suas festas, caça, pesca, guerra, o seu comércio com os franceses, os seus remédios, as suas danças, os seus jogos, as suas canções”. — A Serpente Alada: Prosa e Poesia do Índio Americano, Margot Astrov, página 45.
Ao se aproximar o tempo da busca, o candidato à visão ou um parente que quisesse participar da prova, às vezes concordava que lhe arrancassem pequenos pedaços de carne do braço. A pele era, então, posta dentro de um chocalho para o buscador levar consigo e chacoalhar nas orações.
Os detalhes da missão variam de tribo para tribo. Alguns visionários siús se enterram num poço com vários metros de profundidade; a abertura é, então, tapada com couros e coberta levemente com terra para permitir a entrada de ar para a figura solitária abaixo, mas não a luz. Ainda mais comum era um local ao ar livre com cinco postes de madeira. Muitas vezes, o período prescrito era de quatro dias — um número sagrado para muitos índios, mas a busca poderia ser abreviada se uma visão viesse antes.
Não havia qualquer garantia de que uma visão acontecesse. Nesses casos, alguns buscadores determinados até recorriam à automutilação para persuadir os espíritos a se apiedarem deles. Eles poderiam fazer uma oferenda de um dedo cortado numa articulação. Mesmo com tudo isso, as missões malsucedidas não eram incomuns. Então, o buscador da visão, decepcionado, tinha simplesmente que tentar de novo, persistindo até ser recompensado, pois, como dizia o ditado ojibwa: “Nenhum homem começa a existir até ter a sua visão”.
Quando vinham as visões, eram de várias formas, com uma qualidade de transmissão um pouco superior à de um sonho e um sentido de autoridade espiritual que se gravava de modo indelével na mente do sonhador. O que quer que um homem visse se tornava o seu emblema ao longo da vida. Se ele sonhasse com um pássaro ou um animal específico, as suas parentes poderiam bordar nos seus pertences a sua pata, algo da sua pele ou algumas penas ou garras. O guerreiro também poderia pintar algo parecido com a criatura nos seus instrumentos rituais, flautas e chocalhos, e até mesmo no seu corpo — assim como fez o líder siú Crazy Horse, que pintou ele próprio um relâmpago na sua bochecha e padrões de granizo no seu corpo. Os objetos vistos numa visão também compunham o pacote de remédios de um índio, a coleção portátil de objetos sagrados que ele carregava para renovar o seu poder espiritual.
Entre os siús, o espírito do animal visto numa visão determinava a filiação social de um homem. Cada uma das várias tribos lakotas tinha grupos de sonhadores de alces, sonhadores de búfalos, sonhadores de veados e sonhadores de ursos, sendo que a filiação a cada um se restringia aos indivíduos que tivessem visto a mesma criatura nos seus sonhos. Além disso, era só depois de concluir a busca da visão com sucesso que um índio recebia o seu nome de adulto. Os nomes tinham poder e não podiam ser passados a um jovem que não tivesse atingido a maturidade espiritual.
Embora quase todos os índios do sexo masculino buscassem visões, alguns tinham uma atração mais forte pelo mundo dos espíritos do que outros. Esses homens, que podiam empreender várias missões de visão durante as suas vidas, adquiriam muitos espíritos guardiões. O resto da comunidade os respeitava e temia pelo seu poder especial. Essas pessoas eram os xamãs ou curandeiros. Embora os dois termos sejam aplicados indistintamente, cada um deles destaca uma faceta diferente dos poderes do visionário: o curandeiro salienta o papel de cura ao passo que o xamã enfatiza atributos místicos.
Às vezes, os dois papéis se combinavam. Os povos árticos tradicionalmente acreditavam que os seres humanos adoecem porque perdem as suas almas — quer para feiticeiros hostis, quer para pesadelos. Na verdade, a percepção de que a alma se desprende durante o sono levava alguns nativos americanos a afirmar que é possível que alguém morra se for acordado de repente. Para efetuar uma cura, os xamãs entravam em estados de consciência nos quais partiam mentalmente em busca do espírito ausente. Às vezes, o xamã era amarrado com cordas por medo de ser levado fisicamente.
Um homem santo queixou-se para um estranho: “Na época dos nossos antepassados, os xamãs eram solitários, mas agora são todos médicos ou sacerdotes, profetas meteorológicos, conjuradores de caça ou comerciantes espertos pondo as suas habilidades à venda por dinheiro”. Outro falou da dor e solidão que é preciso suportar a fim de adquirir conhecimento. “A verdadeira sabedoria”, disse ele, “só pode ser encontrada longe das pessoas, na grande solidão; não é encontrada na diversão: só através do sofrimento. A solidão e o sofrimento abrem a mente humana; logo, um xamã busca a sua sabedoria ali”.
Dentre os nativos americanos, os curandeiros mais estranhos eram os contrários ou os palhaços sagrados. Eram indivíduos condenados pela natureza da sua visão a agir de forma contrária à prática normal. Entre os siús, eram conhecidos como os heyokas e nas suas fileiras estavam os homens que tinham sonhos com tempestades de relâmpagos.
Black Elk tentou explicar a ligação: “quando uma visão vem dos seres-relâmpago do Ocidente, ela vem com terror como uma tempestade, mas quando passa a tempestade da visão, o mundo fica mais verde e mais feliz. O mundo, você pode ver, é mais feliz após o terror da tempestade”. — Black Elk Fala: A História de um Santo dos Oglalas Siús. Black Elk, John G. Neihardt, página 149.
Os heyokas nadavam em piscinas geladas no inverno reclamando do calor, fingiam tremer de frio nos dias mais quentes do verão e cavalgavam de costas. Carregavam arcos tortos e flechas dobradas ou utilizavam arcos que eram ridículos de tão longos, impossíveis de usar com flechas. E o mais espetacular de tudo é que eles realizavam cerimônias que culminavam em mergulhar os seus braços em caldeirões de água fervente, uma provação para a qual eles se preparavam lambuzando secretamente os braços em folhas maceradas de malva.
O equivalente iroquois dos heyokas era a sociedade dos Rostos Falsos, assim chamados pelas máscaras grotescas que usavam nas suas cerimônias. Os Rostos Falsos recebiam a sua vocação após visões ou sonhos. As origens da sociedade remontam a duas lendas tribais.
Uma história fala de um gigante horrendo que vivia na borda do mundo. Um dia, o gigante desafiou o benevolente Criador Iroquois para uma prova em que cada um mostrasse a sua capacidade de mover uma montanha. Numa mágica, o gigante conseguiu deslocar a montanha a uma certa distância, mas o Criador o superou, trazendo a montanha tão para perto que, quando o gigante se virou para ver, ele torceu o nariz contra as encostas, uma ocorrência que os iroquois comemoram com máscaras torcidas.
Outra lenda fala de seres semi-humanos estranhos que os iroquois costumavam encontrar nas florestas. Esses espíritos problemáticos costumavam invadir os acampamentos iroquois, remexer as cinzas das fogueiras em busca de restos de comida e tabaco. Embora travessos, eles não eram perigosos, e até tinham poderes de cura que se dispunham a transmitir aos índios em troca de uma oferta de tabaco.
Nem todas as visões têm se mostrado precisas de modo que é preciso discernimento. O mais difundido de todos os movimentos proféticos entre os índios começou em 1869 com um curandeiro paiute chamado Wadziwob. Ele teve uma visão de que a estrada de ferro transcontinental, que tinha acabado de ser concluída, traria membros da tribo recentemente falecidos de volta dos mortos, um milagre que seria o sinal do renascimento completo da sorte dos povos nativos americanos. Enquanto isso, os paiutes se preparavam revivendo uma dança de roda tradicional que repetia simbolicamente o curso do sol pelo céu. A visão de Wodziwob atraiu bastante atenção, mas perdeu apoio quando o trem aguardado não chegou. Em vez dele, veio uma seca para esgotar ainda mais os parcos recursos dos paiutes e destruir a credibilidade de Wodziwob.
Um índio chamado Wovoka, que viveu no Vale do Mason, no oeste de Nevada, trouxe uma mensagem apocalíptica: o mundo estava chegando ao fim. Seria destruído por um grande dilúvio. Os espíritos de índios mortos e vivos habitariam, então, um mundo novo para o qual eles poderiam fugir pelo ar com o auxílio de penas mágicas. Lá eles viveriam como antes da chegada do homem branco. Para se preparar para o grande dia, os índios precisam levar uma vida correta e, acima de tudo, reunir-se regularmente para praticar a Dança do Espírito.
As palavras do novo profeta — descritas por alguns brancos como o “Índio que se passava por Cristo” — se espalharam como fogo pelas comunidades nativas americanas desanimadas do Oeste. Não tardou para grupos indígenas desde o sul da Califórnia até Oklahoma e as Dakotas começarem a praticar a dança. Num grande círculo, os participantes se moviam no sentido horário na direção do sol com passos lentos e alternados em torno de um fogo central. Enquanto isso, cantavam músicas especiais da Dança do Espírito. Na atmosfera emocionalmente carregada da dança, era comum que alguns dançarinos caíssem de repente num transe. Ao despertar, contavam as visões que tiveram e espontaneamente compunham canções sobre elas para acrescentar ao repertório da Dança do Espírito.
Embora muitas das cerimônias indígenas variem, elas normalmente envolvem danças para acompanhar canções sagradas, o uso de chocalhos, apitos e os ritmos hipnóticos dos tambores.
O santo Black Elk dos ogalalas certa vez explicou a importância simbólica dos tambores: “A sua forma redonda representa o universo e a sua batida forte constante é o pulso, o coração, vibrando no centro do universo. Assim como a voz de Wakan Tanka, ela movimenta e nos ajuda a entender o mistério e o poder das coisas”.
Uma característica notável por ser rara na vida cerimonial indígena americana é a noção de sacrifício. Embora para muitas tribos a morte de prisioneiros inimigos fosse algo natural, não há nada comparável às práticas dos antigos astecas da América Central que, no seu auge, podem ter realizado até 10.000 sacrifícios humanos por ano.
Um dos exemplos comprovados de sacrifício humano na América do Norte era a Cerimônia da Estrela Matutina dos panis do Nebraska, que era praticada até o século XIX. Nos anos em que Marte ascendia no Oriente, a tribo, às vezes, sacrificava uma menina selecionada de uma tribo vizinha expressamente para esse propósito. O objetivo era aplacar o planeta, que apareceria em forma humana numa visão para um membro da tribo, orientando-o a encontrar uma vítima adequada.
Black Elk destacou o significado místico dessas provas: “Assim como nós nos desvencilhamos”, disse ele, “é como se estivéssemos sendo liberados dos laços da carne”.
O que cobrimos neste relatório foram algumas das atividades que ocorriam durante as cerimônias dos nativos americanos relacionadas ao assunto principal, que é a Busca pela Visão.
Num especial da “Time Life” há uma referência a uma visão de Black Elk parecida com a que o Dr. Hurtak menciona. Chama-se “Maravilhas num Sonho”:
“Enquanto cavalgava às margens do Rio Little Bighorn num dia por volta de 1835, um menino ogalala com nove anos de idade, mais tarde chamado Black Elk, caiu devido a uma doença misteriosa que o deixaria inconsciente por 12 dias. Deitado inerte num tipi, ele teve uma visão: dois homens transportados numa nuvem vieram até ele cantando: “No céu inteiro há uma voz sagrada chamando por você”. Atendendo ao chamado, ele os acompanhou ao céu. Havia maravilhas para contemplar. Muito tempo depois de o menino ter-se tornado um grande santo da sua tribo, Black Elk contou a visão que transformou a sua vida. Foram mostradas a ele a grande beleza e harmonia que permeiam o universo, e dos seres espirituais que o convocaram ele aprendeu sobre os símbolos e objetos sagrados que tinham o poder de curar doenças e amainar as lutas, um dom que seria bem útil ao seu povo nos anos conturbados a seguir. Quase no fim da sua visão, Black Elk viu-se levado ao Leste montado no seu cavalo, acompanhado dos cavaleiros dos quatro quadrantes até se pôr de pé na mais alta das montanhas, entendendo-se abaixo “todo o círculo do mundo”. Numa pintura feita pelo seu amigo de toda a vida, Standing Bear, Black Elk aparece no centro da Terra com uma águia malhada como um dos seus guias no ombro, uma vara sagrada florida e um cachimbo da paz oferecendo fumaça aos céus”.
As visões dão acesso à energia, ao fluxo da força sobrenatural que corre abaixo da superfície em todos os aspectos da vida indígena. Elas também podem nos possibilitar a sabedoria se dedicarmos tempo para entrar na mensagem e na experiência.